domingo, setembro 02, 2007

O Ideal e o Banal

ouvindo:Losing My Religion (R.E.M.)

Digamos que as coisas nem sempre acontecem do jeito que a gente quer, aliás isso é até óbvio. Mas quando acontecem, todo aquele valor idealizado que a gente atribuiu a elas anteriormente, se esvai. É como quando a gente de fato descobri que o tal do Papai Noel, realmente não existe. Talvez fosse melhor que a gente continuasse acreditando, ainda que ele nunca trouxesse presentes. Afinal era tão bom aquele clima fantasioso que o Natal trazia, como uma barreira de proteção à qualquer problema ou preocupação.

análise/livro: O Príncipe Feliz e Outros Contos (Oscar Wilde)

Avaliação: ▲▲▲▲ (4/5)

Comentário: É uma coleção de contos do Oscar Wilde (dispensa apresentações). São contos bastante imprevisíveis e peculiares, mas em geral muito bons. O destaque fica para "O Amigo Fiel", "Um Foguete Extraordinário" e "O Pescador e sua Alma". Recomendado.

Na próxima postagem eu trago um dos contos.

análise/jogo: Phoenix Wright: Ace Attorney (Capcom) - Nintendo DS

Avaliação: ▲▲▲▲ (4/5)

Comentário: Trata-se de um "simulador de advogado", mas se você for analisar, é como um daqueles jogos de Adventure que tinha aos montes no PC antigamente. É extremamente linear, mas a história é muito boa e os personagens carismáticos. Existe a fase de investigação em que são reunidas as evidências e a fase do julgamento em si, onde depoimentos são analisados em busca de contradições, evidencias apresentadas, testemunhas pressionadas, enfim. Recomendo.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Emptiness

hellness.listening: ► Home Again (clique para download)

Segue um trecho bem bacana do livro "Primeiro o Amor, Depois o Desencanto" (Douglas Coupland):

"Quando você é jovem, você sempre sente que a vida ainda não começou -- que a 'vida' está sempre programada pra começar na próxima semana, no próximo mês, no próximo ano, depois das férias -- quando quer que seja. Mas então, de repente, você está velho e a vida programada não chegou. Você se pega perguntando: "Bem, então o que era exatamente que estava me acontecendo -- aquele interlúdio -- aquela loucura embaralhada -- durante todo aquele tempo?"


20 anos hoje. Quem diria, até a pouco tempo estava com 16, o que houve?
Bem que eu queria voltar atrás em uma porção de coisas que fiz nos últimos tempos e finalmente tomar algumas atitudes que já deveria ter tomado. Enfim, aí está uma nova chance.

domingo, agosto 12, 2007

Livros

hellness.listening: ► Ghosts of the Marble Hall (clique para download)

Já fiz minha lista de livros que quero ler e livros que possivelmente eu leia (assim que eu pesquisar sobre) durante os proximos meses. Assim que lê-los, colocarei uma análise aqui no hellness.

LEGENDA: ( ) Livros que pretendo ler / -?- Livros que possivelmente lerei

( ) A História Sem fim
( ) Até logo e obrigado pelos peixes - Douglas Adams
( ) Harry Potter e as Relíquias da Morte
( ) O Noivo da Princesa - William Golding
( ) O Tempo e o Vento - Érico Veríssimo
( ) O Caçador de Pipas - Khaled Hosseini
( ) A Revolução dos Bichos - George Orwell
( ) A Sétima Torre

-?- Ben-Hur - Lewis Wallace
-?- A Arte da Gerra - Sun Tzu
-?- Morangos Mofados - Caio Fernando Abreu
-?- O Ferreiro da Abadia
-?- O Nome da Rosa
-?- Olhai os Lírios dos Campos
-?- Tau Zero
-?- Lolita - Vladimir Nobokov
-?- Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
-?- Metamorfose - Kafka
-?- Os sofrimentos do jovem wether

Aceito sugestões :)

sábado, agosto 11, 2007

O Amigo Dedicado

Conto: O Amigo Dedicado por Oscar Wilde ▲▲▲▲ (4/5)
Recomendo muito este conto do Oscar Wilde. Esta tradução não foi a que eu li, mas é muito boa também. Faz as pessoas pensarem melhor em quem os rodeia, os já citados "amigos".

Certa manhã o velho Rato d'água pôs a cabeça fora do buraco. Tinha uns olhos redondos muito vivos e uns duros bigodes cinzentos, e sua cauda parecia um comprido elástico negro. Os patinhos estavam a nadar na lagoa, semelhantes a um bando de canários amarelos, e a sua mãe, toda branca com patas vermelhas, esforçava-se por ensinar-lhes a manter a cabeça dentro d'água.
- Vocês nunca poderão frequentar a boa sociedade, se não aprenderem a manter a cabeça dentro d'água - dizia-lhes. E de vez em quando mostrava-lhes como devia ser feito. Mas os patinhos não lhe prestavam atenção alguma. Eram tão jovens que não sabiam que vantagens existem nisso de frequentar a sociedade.
- Que criaturas desobedientes! - exclamou o velho Rato d'água. - Mereciam realmente afogar-se.
- Nada disso - replicou a Pata -, todos têm de ter aprendizagem e nunca é demais a paciência dos pais.
- Ah! Não tenho a menor ideia a respeito dos sentimentos paternos - disse o Rato d'água. - Não sou pai de família. Na verdade, nunca me casei e nunca pensei em fazê-lo. Indubitavelmente, o amor é uma boa coisa, à sua maneira, mas a amizade vale mais. Asseguro-lhe que não conheço no mundo nada mais nobre ou mais raro do que uma amizade dedicada.
- E diga-me, rogo-lhe: que ideia forma o senhor dos deveres de um amigo dedicado? - perguntou um Pintarroxo verde que tinha escutado a conversa, pousado num salgueiro retorcido.
- Sim, é isto precisamente o que eu desejaria saber - disse a Pata. E nadou para o extremo da lagoa, de cabeça erguida, a fim de dar um bom exemplo ao seus filhos.
- Pergunta tola! - gritou o Rato d'água. - Como é natural, entendo por amigo dedicado aquele que a mim se dedica.
- E que fará o senhor para retribuir-lhe? - perguntou o passarinho, balançando-se num ramo prateado e agitando as suas asinhas.
- Não o compreendo - respondeu o Rato d'água.
- Permita-me que lhe conte uma história a respeito deste assunto - disse o Pintarroxo.
- Refere-se a mim essa história? - falou o Rato d'água. - Se assim for, eu a escutarei, pois sou doido por ficção.
- É aplicável ao senhor - respondeu o Pintarroxo, que abriu as asas e desceu, pousando na beira do tanque, e contou a história do Amigo Dedicado.
- Era uma vez - disse o Pintarroxo -, um honrado rapaz chamado Hans.
- Era um homem verdadeiramente distinto? - perguntou o Rato d'água.
- Não - respondeu o Pintarroxo -, não creio que fosse absolutamente distinto, exceto pelo seu bom coração e pela sua cara redonda, morena e afável. Morava numa pobre casinha de campo, sozinho, e todos os dias trabalhava no seu jardim. Em toda a região não havia jardim tão bonito como o dele. Cresciam nele cravinas, goivos, bolsas-de-pastor, saxifragas. Havia rosas de Damasco e rosas amarelas, açafrões cor de lilás e cor de ouro, violetas roxas e brancas. E, segundo os meses e por sua ordem, floresciam rosas silvestres e cardaminas, manjeronas e manjericões silvestres, a primavera e o íris, o narciso e o cravo vermelho. Uma flor substituía a outra, de modo que havia sempre ali coisas bonitas para ver e odores agradáveis para aspirar.
«O pequeno Hans tinha muitos amigos, porém o mais dedicado de todos era o corpulento Hugo, o Moleiro. Na verdade, tão dedicado era o rico Moleiro ao pequeno Hans que nunca andava pelo jardim dele sem inclinar-se sobre os canteiros e colher um grande ramalhete ou um punhado de ervas-doces, ou encher os bolsos com ameixas e cerejas, quando era tempo de frutas.
«Os amigos verdadeiros repartem tudo entre si - costumava dizer o Moleiro e o pequeno Hans balançava a cabeça e sorria, sentindo-se muito orgulhoso por ter um amigo com tão nobres ideias.
«Algumas vezes, na realidade, achavam os vizinhos estranho que o rico Moleiro nunca desse nada em retribuição ao pequeno Hans, embora possuísse centenas de sacos de farinha armazenados no seu moinho, seis vacas leiteiras e um grande rebanho de carneiros com muita lã. Mas Hans nunca se preocupava com essas coisas e nada lhe dava maior prazer do que escutar todas as coisas maravilhosas que o Moleiro costumava dizer a respeito da solidariedade dos verdadeiros amigos.
«De modo que cultivava o pequeno Hans o seu jardim. Na primavera, no verão e no outono sentia-se muito feliz, mas quando chegava o inverno e não tinha nem frutos nem flores que levar ao mercado, padecia de muito frio e muita fome e muitas vezes tinha de ir para a cama sem qualquer refeição, a não ser umas pêras secas ou algumas nozes duras. Também no inverno, ficava extremamente solitário, uma vez que o Moleiro nunca ia vê-lo então.
«- Não está bem que eu vá ver o pequeno Hans, enquanto duram as neves - costumava o Moleiro dizer à sua mulher -, pois quando as pessoas se acham em apuros, devem ser deixadas sozinhas e não serem incomodadas com visitas. Esta é, pelo menos, a minha opinião a respeito da amizade e estou certo de que é uma opinião bem acertada. Por isso esperarei que a primavera chegue e então irei visitá-lo, podendo ele dar-me um grande cesto de primaveras, coisa que bastante o alegrará.
«- És realmente bastante solicito para com os outros respondia-lhe a mulher, sentada na sua cómoda cadeira de braços, junto a um bom fogo de pinheiro. - És realmente bastante solicito. É um verdadeiro prazer ouvir-te falar a respeito da amizade. Estou certa de que o próprio senhor Cura não poderia dizer coisas tão belas como tu, embora viva numa casa de três andares e use um anel de ouro no dedo mindinho.
«- Mas não poderíamos convidar o pequeno Hans a vir aqui? - perguntava o filho mais novo do Moleiro. - Se o pobre Hans se acha em apuros, dar-lhe-ei a metade da minha sopa e mostrar-lhe-ei os meus coelhos brancos.
«- Que menino pateta és tu! - gritou o Moleiro. - Na verdade não sei para que serve mandar-te à escola. Parece que não aprendes nada. Ora, se o pequeno Hans viesse aqui e visse o nosso ardente fogo, a nossa boa ceia e a nossa grande barrica de vinho tinto, poderia sentir inveja e a inveja é um coisa terrível que deita a perder os melhores carácteres. Não permitirei, certamente, que o caráter de Hans venha a ser prejudicado. Sou o seu melhor amigo e velarei sempre por ele e terei todo o cuidado em não expô-lo a nenhuma tentação. Além disso, se Hans viesse aqui poderia pedir-me que lhe desse, fiado, um pouco de farinha e isto eu não poderia fazer. A farinha é uma coisa e a amizade é outra e não devem ser confundidas. Ora, estas duas palavras escrevem-se de maneira diferente e significam coisas completamente diferentes. Toda gente pode ver isto.
«- Como falas bem! - disse a Mulher do Moleiro, servindo-lhe um copo de cerveja quente. Sinto-me até como que adormecida. O mesmo que se estivesse na igreja.
«- Muita gente age bem - replicou o Moleiro -, muito poucos, porém, sabem falar bem, o que mostra que falar é das duas coisas a mais difícil, bem como a mais bela das duas. - E olhou severamente por cima da mesa para o seu filho que se sentiu tão envergonhado, que baixou a cabeça, ficou totalmente vermelho e começou a chorar dentro do seu chá. Contudo, era tão jovem que não se podia deixar de desculpá-lo».
- É este o fim da história? - perguntou o Rato d'água.
- Decerto que não, respondeu o Pintarroxo. - Isto é o começo.
- Então você está muito atrasado em relação à sua época - replicou o Rato d'água. - Hoje em dia, todo bom contador de histórias começa pelo fim, depois passa para o começo e conclui com o meio. Este é o novo método. Ouvi tudo isto, outro dia, de um crítico que estava passeando em redor da lagoa com um rapaz. Tratava do assunto magistralmente e estou certo de que devia estar com razão, porque usava óculos azuis e tinha a cabeça calva. E quando o rapaz fazia alguma observação sempre respondia: «Patetice!» Mas rogo-lhe que prossiga com a sua história. Estou a gostar muito do Moleiro. Eu mesmo possuo toda espécie de belos sentimentos, de modo que existe entre nós uma grande simpatia.
- Bem - disse o Pintarroxo, saltitando, ora sobre uma, ora sobre outra das suas pernas -, assim que o inverno passou e as primaveras começaram a abrir as suas pálidas estrelas amarelas o Moleiro disse à sua mulher que iria visitar o pequeno Hans.
«- Ah! Que bom coração tens tu! - exclamou a Mulher. - Tu estás sempre a pensar nos outros. Não te esqueças de levar contigo o cesto grande para trazer as flores.
«Depois o Moleiro amarrou umas nas outras as aspas do moinho com uma forte corrente de ferro e desceu a colina com o cesto no braço.
«- Bom dia, pequeno Hans - disse o Moleiro.
«- Bom dia - disse Hans, apoiando-se na sua enxada e sorrindo largamente.
«- Como passaste o inverno? - perguntou o Moleiro.
«- Bem, na verdade - exclamou Hans. - É muita bondade da sua parte perguntar-me isso, muita bondade mesmo. Receio ter passado uns maus bocados, mas agora a primavera chegou e sinto-me completamente feliz... além disto as minhas flores estão indo bem.
«- Falamos frequentes vezes de ti, durante o inverno, Hans - disse o Moleiro -, imaginando como estarias a passar.
«- Foi bondade do senhor - disse Hans. - Estava quase com medo de que o senhor me tivesse esquecido.
«- Hans, surpreende-me ouvi-lo falar desse modo - disse o Moleiro. - A amizade nunca esquece. Esta é a coisa maravilhosa que nela existe, mas receio que não compreendas a poesia da vida... A propósito, como estão bonitas as tuas primaveras!
«- Sim, estão verdadeiramente muito bonitas - disse Hans - e é para mim uma grande sorte ter tantas. Vou levá-las ao mercado e vendê-las à filha do Burgomestre e com este dinheiro comprarei outra vez o meu carrinho de mão.
«- Comprar outra vez o teu carrinho de mão? Queres dizer então que o vendeste? Mas que coisa estúpida fizeste!
«- Bem, o facto é que fui obrigado a fazê-lo - disse Hans. - Como o senhor sabe, o inverno é uma estação muito má para mim e, na realidade, não tinha dinheiro algum para comprar pão, de modo que vendi primeiro os botões de prata da minha roupa domingueira, depois vendi a minha corrente de prata, em seguida vendi a minha grande flauta, e por fim vendi o meu carrinho de mão. Mas vou comprar tudo de novo agora.
«- Hans - disse o Moleiro -, dar-te-ei o meu carrinho de mão. Não está em muito bom estado. Na verdade, um dos lados está a faltar e estão um tanto torcidos os raios da roda, mas a despeito disso, dar-te-ei o carro. Sei que é uma grande generosidade de minha parte e muita gente pensará que foi uma loucura extrema da minha parte desfazer-me dele, mas não sou como o resto do mundo. Creio que a generosidade é a essência da amizade e, além disso, eu mesmo comprei um novo carrinho de mão. Sim, podes estar tranquilo, dar-te-ei o meu carrinho de mão.
«- Bem, na verdade, é muita generosidade da sua parte - disse o pequeno Hans, e a sua redonda e engraçada carinha brilhou toda de prazer. - Poderei facilmente consertá-lo, pois tenho um pedaço de tábua na minha casa.
«- Um pedaço de tábua! - exclamou o Moleiro. - Muito bem! É disso precisamente que preciso para o telhado do meu paiol. Está com uma grande brecha e se não o tapar, todo o trigo ficará molhado. Que felicidade teres mencionado essa tábua! É realmente de notar como uma boa ação engendra sempre outra. Dei-te o meu carrinho de mão e agora tu vais dar-me a tua tábua. É claro que o carrinho de mão vale muito mais do que a tábua: mas a verdadeira amizade nunca repara coisas como essas. Dá-me logo a tábua e hoje mesmo porei mãos à obra para consertar o meu paiol.
«- Sem dúvida - gritou o pequeno Hans, que foi a correr para o telheiro donde trouxe a tábua.
«- Não é uma tábua muito grande - disse o Moleiro, examinando-a -, e receio que, uma vez feito o conserto do telhado do paiol, não sobre madeira suficiente para o conserto do carrinho, mas, é claro, isso não é minha culpa... E agora, uma vez que te dei o meu carrinho de mão estou certo de que haverás de querer dar-me algumas flores em troca. Aqui tens o cesto: procura enchê-lo completamente.
«- Completamente? - exclamou o pequeno Hans, bastante aflito, porque o cesto era mesmo muito grande e sabia que, se o enchesse, não lhe sobrariam flores para o mercado e estava bastante ansioso por poder resgatar os seus botões de prata.
«- Bem, na verdade - respondeu o Moleiro -, uma vez que te dou o meu carrinho de mão, não penso que seja demasiado pedir-te algumas flores. Posso estar equivocado, mas deveria ter pensado que a amizade, a verdadeira amizade, estivesse completamente isenta de egoísmo de qualquer espécie.
«- Meu querido amigo, meu melhor amigo - exclamou o pequeno Hans -, todas as flores do meu jardim estão à sua disposição, porque me importa muito mais a sua estima do que os meus botões de prata.
«- E correu a colher as lindas primaveras e a encher com elas o cesto do Moleiro.
«- Adeus, pequeno Hans - disse o Moleiro, subindo de novo a colina com a tábua ao ombro e o seu grande cesto na mão.
«- Adeus - disse o pequeno Hans, que se pôs a cavar alegremente, Pois estava contentíssimo por ter um carrinho de mão.
«- Na manhã seguinte, quando estava pregando umas madressilvas no seu alpendre, ouviu a voz do Moleiro que o chamava da estrada, pulou da escada e desceu a correr o jardim, indo espiar por cima do muro.
«Ali estava o Moleiro com um grande saco de farinha nas costas.
«- Querido Hans - disse o Moleiro - quererias levar-me este saco de farinha até ao mercado?
«- Oh! Sinto muito! - disse Hans -, mas na verdade estou muito ocupado hoje. - Tenho que pregar todas as minhas trepadeiras, tenho de regar todas as minhas flores e cortar toda a relva.
«- Bem, na verdade - disse o Moleiro -, penso que, levando em conta que vou dar-te o meu carinho de mão, é pouco amistoso da tua parte essa recusa.
«- Oh! Não diga isso - exclamou o pequeno Hans. - Por coisa alguma do mundo haveria eu de esquecer-me da minha amizade pelo senhor.
«- E correu a buscar o seu chapéu e partiu com o grande saco nos ombros.
«Era um dia muito quente e a estrada estava terrivelmente empoeirada, e antes de ter Hans alcançado o marco que indicava a sexta milha, achava-se tão cansado, que teve de sentar-se para descansar. Não obstante, continuou corajosamente o seu caminho, chegando por fim ao mercado. Depois de ter esperado ali algum tempo, vendeu o saco de farinha por muito bom preço e regressou à sua casa imediatamente, porque temia encontrar algum salteador no caminho, se se atrasasse muito.
«- Foi na verdade um dia duro! - disse Hans a si mesmo, ao ir deitar-se -, mas alegra-me muito por não ter recusado um favor ao Moleiro, que é o meu melhor amigo, e além disso vai dar-me o seu carrinho de mão.
«Bem cedo na manhã seguinte, apareceu o Moleiro para buscar o dinheiro da venda do seu saco de farinha, mas o pequeno Hans estava tão cansado que ainda não se havia levantado da cama.
«- Palavra de honra - disse o Moleiro -, és muito preguiçoso. Na verdade, quando penso que vou dar-te o meu carrinho de mão, acho que podias trabalhar com mais ardor. A preguiça é um grande pecado e eu certamente não gostaria de que algum dos meus amigos fosse preguiçoso e apático. Não te zangues, se te estou a falar completamente sem rodeio. É claro que não te falaria assim, se não fosse teu amigo. Mas de que servirá a amizade, se não se pudesse dizer claramente o que se pensa? Toda a gente pode dizer coisas encantadoras e tentar agradar e lisonjear; mas um amigo sincero diz sempre coisas desagradáveis e não receia causar pesar. Pelo contrário, se é um amigo verdadeiro, prefere isso, porque sabe que assim está fazendo o bem.
«- Sinto muito - respondeu o pequeno Hans, esfregando os olhos e tirando o barrete de dormir -, mas eu estava tão cansado que pensei que poderia ficar na cama um pouco mais e ouvir os pássaros a cantarem. Sabe o senhor que sempre trabalho melhor depois de ouvir os pássaros cantarem?
«- Bem, tanto melhor - disse o Moleiro, dando uma palmadinha nas costas de Hans -, pois necessito de que venhas ao moinho, assim que te tiveres vestido, para consertar-me o telhado do paiol.
«O pequeno Hans tinha grande necessidade de ir trabalhar no seu jardim, porque havia dois dias que não regava as suas flores, mas não quis dizer não ao Moleiro, que tão bom amigo era para ele.
«- Pensa que seria pouco amistoso da minha parte, se dissesse que tenho muito que fazer? - perguntou ele com voz humilde e tímida.
«- Bem, realmente - respondeu o Moleiro -, não creio que seja demais pedir-te isso, levando em conta que vou dar-te o meu carrinho de mão; mas, sem dúvida, se recusares, eu mesmo irei fazer o trabalho.
«Oh! De modo algum! - exclamou o pequeno Hans, que saltou da sua casa, vestiu-se e correu para o paiol.
«- Trabalhou ali o dia inteiro, até o pôr do sol e, ao crepúsculo, o Moleiro apareceu para ver até que ponto tinha ele chegado.
«- Já tapaste o buraco do telhado, pequeno Hans? - gritou o Moleiro, em tom alegre.
«- Está completamente tapado - respondeu o pequeno Hans, descendo da escada.
«- Ah! - exclamou o Moleiro. - Não há trabalho mais delicioso do que o que se faz para outro.
«- É certamente um grande privilégio ouvir o senhor falar - disse o pequeno Hans, sentando-se e enxugando a testa -, um grande privilégio mesmo. Creio que jamais terei tão belas idéias como tem o senhor.
«- Oh! Haverás de tê-las - disse o Moleiro -, mas deves esforçar-te mais. Por ora tens apenas a prática da amizade. Algum dia possuirás a teoria também.
«- Acha realmente que eu terei? - perguntou o pequeno Hans.
«- Não tenho dúvida alguma - respondeu o Moleiro -, mas agora que consertaste o telhado, farias melhor indo para casa descansar, pois quero que leves os meus carneiros para pastar na montanha amanhã.
«O pobre Hans não se atreveu a protestar e no dia seguinte, ao amanhecer, o Moleiro conduziu os seus carneiros até perto da casinha de Hans que partiu com eles para a montanha. Entre ir e voltar passou-se o dia, e, quando regressou, estava tão cansado que adormeceu na sua cadeira e só veio a acordar bem entrada a manhã.
«- Que delicioso tempo para trabalhar no meu jardim! - disse ele, pondo-se a trabalhar imediatamente.
«Mas seja como for, não teve tempo de dar uma olhadela às suas flores, pois o seu amigo Moleiro sempre aparecia a mandá-lo fazer recados bem longe ou a pedir-lhe que o ajudasse no moinho. Algumas vezes, o pequeno Hans ficava muito angustiado, receando que as suas flores pensassem que ele as havia esquecido, mas consolava-se ao reflectir que o Moleiro era o seu melhor amigo. «Além disso», costumava dizer, «ele vai dar-me o seu carrinho de mão e isto é um acto de pura generosidade».
«E o pequeno Hans trabalhava para o Moleiro e este dizia coisas muito bonitas a respeito da amizade, coisas que Hans copiava para o seu livro de notas e que costumava reler à noite, pois era um grande estudioso.
«Pois bem: aconteceu que uma noite, estando o pequeno Hans sentado junto ao fogo, ouviu fortes batidas à sua porta. Era uma noite muito tempestuosa, o vento soprava e rugia em torno da casa tão terrivelmente que a princípio pensou ele que fosse aquele rumor apenas o da tempestade. Mas soou uma segunda pancada e depois uma terceira, mais alto do que as outras.
«- Deve ser algum pobre viajante - disse o pequeno Hans para si mesmo, e correu para a porta.
«O Moleiro estava no umbral, com uma lanterna numa mão e um grande bastão na outra.
«- Querido Hans - gritou o Moleiro -, encontro-me em grande complicação. O meu menino caiu de uma escada, aleijando-se e eu vou em busca do médico. Mas ele mora tão distante e está uma noite tão má, que acaba de ocorrer-me que seria melhor que fosses em meu lugar. Sabes que vou dar-te o meu carrinho de mão, por isso estaria muito bem que fizesses alguma coisa por mim em retribuição.
«- Decerto! - exclamou o pequeno Hans. - Alegra-me muito que me tenha vindo procurar e partirei imediatamente. Mas o senhor devia emprestar-me a sua lanterna, uma vez que a noite está tão escura que receio que possa vir a cair no fosso.
«- Sinto muitíssimo - respondeu o Moleiro -, mas é a minha lanterna nova e seria uma grande perda, se lhe acontecesse alguma coisa.
«- Bem, não falemos mais nisso, irei mesmo sem ela -, exclamou o pequeno Hans, vestindo o seu grande casaco de pele, pondo na cabeça o seu barrete vermelho, amarrando em torno do pescoço uma manta, e saindo imediatamente.
«Que terrível tempestade estava desencadeada; A noite era tão negra que o pequeno Hans mal podia ver e o vento tão forte que ele dificilmente conseguia andar. Contudo, era muito corajoso e, depois de ter caminhado cerca de três horas, chegou à casa do doutor e bateu-lhe à porta.
«- Quem é? - gritou o doutor, pondo a cabeça à janela do seu quarto.
«- É o pequeno Hans, doutor!
«- E que desejas a estas horas, meu pequeno Hans?
«- O filho do Moleiro caiu de uma escada e aleijou-se, e o Moleiro quer que o senhor vá lá imediatamente.
«- Muito bem! - disse o doutor. Mandou selar o seu cavalo, calçou as suas grandes botas, pegou na sua lanterna, desceu a escada e seguiu na direção da casa do Moleiro, enquanto o pequeno Hans marchava atrás dele.
«Mas a tempestade tornou-se cada vez pior, a chuva caía em torrentes e o pequeno Hans não podia nem ver por onde ia, nem acompanhar o cavalo. Afinal, perdeu-se, e esteve a vagar pela charneca, que era um lugar muito perigoso, cheia como estava de profundos buracos, e o pequeno Hans caiu num deles e afogou-se. Na manhã seguinte, uns pastores encontraram o seu corpo boiando numa grande poça d'água e levaram-no para a sua casinha.
«Toda a gente assistiu ao enterro do pequeno Hans, porque ele era muito popular e foi o Moleiro quem tomou a dianteira do funeral.
«- Como fui o seu melhor amigo - disse o Moleiro -, não é nada de mais que eu tome o melhor lugar.
«De modo que pôs-se à frente do cortejo com uma longa capa preta e, de vez em quando, enxugava os olhos com um grande lenço de bolso.
«- O pequeno Hans representa, certamente, uma grande perda para todos nós - disse o Ferreiro, terminado o funeral, e quando estavam todos sentados confortávelmente na estalagem, bebendo vinho temperado e comendo bolos doces.
«- Foi uma grande perda, sobretudo para mim - replicou o Moleiro. - Posso afirmar que fui bastante bom, comprometendo-me em dar-lhe o meu carrinho de mão e agora não sei realmente o que fazer com ele. Atravanca a minha casa e está em tão más condições que se o vendesse, não lucraria nada. Asseguro a vocês que daqui por diante não darei nada a ninguém. A gente paga sempre por ser generoso.»
- E então? - perguntou o Rato d'água, depois de uma longa pausa.
- Bem, este é o fim - disse o Pintarroxo.
- Mas o que aconteceu ao Moleiro? - perguntou o Rato d'água.
- Oh! Realmente não sei - replicou o Pintarroxo -, e, para falar a verdade, não me interessa.
- É bastante evidente que você não possui o dom da simpatia no seu caráter - disse o Rato d'água.
- O que receio é que o senhor não tenha compreendido a moral da história - observou o Pintarroxo.
- O quê? - gritou o Rato d'água.
- A moral.
- Quer você dizer que a história tem uma moral?
- Decerto - afirmou o Pintarroxo.
- Bem, na verdade - disse o Rato d'água, de um modo bastante colérico -, acho que você deveria ter-me dito isso antes de começar. Se o tivesse feito, eu certamente não o teria escutado; de fato, deveria ter dito «Patetice!», como o crítico. Contudo posso dizê-lo agora.
E gritou: «Patetice!». No mais alto tom e, dando uma rabanada com a cauda, correu para o seu buraco.
- Que lhe parece o Rato d'água? - perguntou a Pata, que chegou nadando alguns minutos depois. - Possui muito boas qualidades, porém eu, pela minha parte, tenho sentimentos de mãe e não posso ver um solteirão chapado, sem que me subam as lágrimas aos olhos.
- Receio tê-lo aborrecido - replicou o Pintarroxo. - O fato é que lhe contei uma história com uma moral.
- Ah! Isso é sempre uma coisa muito perigosa de fazer-se - disse a Pata.
E eu concordo inteiramente com ela.

FIM

sexta-feira, junho 01, 2007

Utópico

As pessoas deviam se preocupar mais com a própria vida.

sábado, maio 05, 2007

KK: Capítulo XV

Capítulo XV

– Han, o Kael já voltou. – disse Ana após bater na porta e entrar no quarto de Han.
– Hum, já era hora. Obrigado Ana, peça para o Holden trazê-lo até aqui.
– Está bem – disse ela e em seguida saiu apressada procurando Holden.

– Eu? Sabia que ia acabar sobrando pra mim. – disse Holden quando soube.
– Cara, relaxa – disse Kael, que ainda estranhava o comportamento de Holden.
– Você não está muito tranqüilo pra quem acabou de chegar arrastado?
– E o que eu posso fazer? – respondeu Kael, rindo.
Holden o observou pelo canto dos olhos e murmurou alguma coisa para si mesmo. Em seguida disse:
– Se é pra ir, então vamos logo.
– Demorou.
Assim que Kael saiu do quarto, notou que o local se tratava de um acampamento cercado por árvores e muito mato. Algumas pessoas se encontravam sentadas no chão conversando descontraidamente, outras quando o viam ficavam sérias. Holden sempre agia como se nada dissesse respeito a ele e observava tudo com certa reprovação.
Assim que entraram no quarto de Han, este se levantou e cumprimentou-os animadamente e então disse:
– Em primeiro lugar, desculpe pelo modo como te buscaram, Kael. Não era pra ser assim. Mesmo. Agora por favor...Holden, onde vai?
– Já trouxe o Kael. Estou saindo, oras.
– Eu não disse pra você sair. Sente-se aqui. Kael, você também.
Holden deu meia-volta e com uma expressão de indignação sentou-se. No entanto, quando percebeu que Han o observava, ficou envergonhado e sorriu.
– Bom, há um bom motivo para precisarmos de vocês aqui. Conhecem o ritual de Karbon?
Os dois acenaram positivamente com a cabeça.
– Ano passado, quando foi realizado o ritual, Karbon se manifestou como a muito não se manifestava: em sua forma de fênix. Da última vez que isto aconteceu, Khadoma estava vivo. E quando acontece, só tem um significado: ele vai voltar. No entanto, para que ele volte, um representante de cada signo – Proten (Sagitário), Recol (Câncer), Veincle (Áries), Stabilish (Touro), Mistra (Virgem), Signa (Gêmeos), Balus (Capricórnio), Bloar (Escorpião), Zodish (Leão), Voster (Libra), Quepta (Aquário) e Xara (Peixes) – deve ser encontrado e a união de todos eles resultará na magia Acsa, que representa o décimo terceiro signo, o signo divino do sol, único que pode invocar Karbon. No entanto, só há um Eleito em cada face solar, mas não conseguimos descobrir todos os eleitos no ritual deste ano, pois parece que alguém do Ímperio não deseja um poder como Karbon em nossa mão, então impediram a realização do ritual. Se não fosse Alexel, único de nós que consegue usar a magia de conversão Signa, não teríamos nem os seus nomes.
– Nossos nomes? – repetiu Holden.
– Sim Holden, você é o Eleito da Khalong de Capricórnio e Kael é o Eleito da Khalong de Leão. Mas ainda faltam dez eleitos. Precisamos de vocês, porque são os únicos que podem usar a Trindade Solar.
– E o que é isso? – perguntou Kael.
– São três relíquias divinas. O Pulso Solar, a Visão Solar e a Coroa Solar. Só que tem outro problema: são necessários três eleitos para invocar a Trindade.
– E como encontraremos outro eleito sem a trindade? – disse Holden, um tanto entusiasmado.
– Voster. Nós descobrimos que há outra forma de acessar Khalong de Libra e é este caminho que vamos seguir para encontrar nosso terceiro eleito.
– Mas afinal de contas, pra que esse tal de Karbon quer voltar? E se era pra voltar, porque ele foi? – disse Holden com as sobrancelhas erguidas e os braços cruzados.
– Karbon só permanece aqui enquanto a magia Acsa durar, depois disso ele retorna à Acsa Khalong até que sua volta seja novamente necessária. Mas não sabemos o motivo de ele querer voltar desta vez. Acreditamos que Acsa Khalong está contida no Sol e quando Karbon se torna uma fênix precisa sair de Acsa antes que dê inicio à lendária Grande Explosão também conhecida como Supernova, que dizimou a tribo solar nos primordios. Então vocês realmente não podem se recusar a invocar Karbon.
– Eu aceito ajudar, mas antes quero ver minha família e meus amigos – disse Kael, decidido.

domingo, abril 29, 2007

KK: Capítulo XIV

Capítulo XIV

– Finalmente acordou!
Kael abriu os olhos mas não reconhecia nada do que via. Era um quarto pequeno, com algumas camas e paredes lisas. Um jovem o olhava como um animal no zoológico.
– Onde eu estou? – disse lentamente.
– Sinceramente, eu não tenho muita paciência pra contar história. Nem estou aqui voluntariamente. Se quiser, espere algum outro chegar e se esbalde. – disse enquanto se virava e arrumava algo em sua cama.
– E quem é você? – disse Kael, com estranhamento.
– Holden. Me parece que seremos companheiros de quarto. Tudo o que eu precisava, mais gente ocupando espaço.
Kael ergueu as sobrancelhas, virou para o lado e levantou-se. Seus pensamentos estavam embaralhados e ele ainda se esforçava para formar uma linha de raciocínio. Se direcionava para a única saída do quarto, quando Holden disse:
– Espera um pouco. Vou chamar a Ana. Fique aqui! – e saiu resmungando. Poucos segundos depois, voltou com uma jovem que Kael achou muito bonita. Quando o viu, fez uma expressão animada, que ele não entendeu. Então ela se aproximou e falou com ele.
– Kael, já acordou!
– Desculpe, mas o que está acontecendo?
– Te trouxemos até aqui ontem à noite. Eu tive que usar a Voster em você porque estava muito agitado. Mas não se preocupe, está entre amigos. Mais tarde o nosso líder, Han, vai lhe falar e esclarecer tudo. – disse com sua típica voz suave, a qual Kael se lembrou ser a do Número Dezesseis. De repente se lembrou de Henri.
– Ei, onde está o Henri?
– Calma, ele está bem. Holden, o Alexel já foi falar com o Henri?
– Já.
– Então, Kael! Vai dar tudo certo. Por enquanto, você vai dormir aqui neste quarto, dividindo-o comigo e com o Holden. Eu sei que você está um pouco confuso, mas tudo será explicado. Me chamo Ana, muito prazer!
– Obrigado Ana.
– Cara! Você é de Osaforte, não é? Ouvi dizer que as praias lá são incríveis. Aqui a gente só vê essa porcaria de floresta pra tudo quanto é lado. Isso sem dizer que até hoje eu nunca vi uma praia. – disse Holden, como se tivesse lembrado de um detalhe importante.
– Nossa, as praias são lindas mesmo, Holden. Não sabe o que está perdendo.
– Sorte a sua.
– Kael, você está bem, não é? – perguntou Ana à Kael, que respondeu positivamente com a cabeça – Vou avisar o Han que está acordado.

Kael ainda não estava completamente consciente. Alguns pensamentos giravam em sua cabeça e era como se ele tivesse que agarrá-los pra manter uma conversa. Fora uma tendência a concordar com tudo o que lhe era falado.

– Cara, você é estranho. – disse Holden.

terça-feira, abril 24, 2007

Download: Khalong Kael Zodish


Download: http://sergioestrella.googlepages.com/KhalongKaelZodish.pdf

O eBook Khalong Kael, do Capítulo I ao XI corrigidos em PDF + extras.

terça-feira, abril 03, 2007

KK: Capítulo XIII

Capítulo XIII

Henri e o número Dezoito encontravam-se imóveis, frente a frente.
Toda magia possui um custo: paralisar o inimigo pode ser uma grande vantagem, mas Quepta também paralisa quem a invoca, ainda que por um período mais curto de tempo. Kael percebeu que seu amigo havia sido atingido, mas continuou correndo. Nada poderia fazer por ele.
- Dezesseis! – dizia o homem firmemente, olhando para o lado e apontando para Kael.
Este entendeu a ordem e instantaneamente pronunciou a magia Proten. Então, mesmo com a velocidade inferior à Protenido, alcançou um Kael ofegante e esgotado e o agarrou.
- É hora de ir, Kael. – disse uma voz feminina e calma, era o número Dezesseis – Descanse. – Em seguida colocou as mãos nas costas e pronunciou outra magia – Voster!

A visão de Kael perdeu o foco. Num momento ele via uma rua escura e em outro via o céu estrelado, a lua, a sua casa, então seus olhos se fecharam e ele caiu no chão.

Eu estava sentado na beira da praia, jogando algumas pedras no mar. A praia era extensa, terminando num amontoado de morros esverdiados cercados por rochas e palmeiras. A brisa era suave e havia algumas gaivotas sobre o mar. Fiquei algum tempo observando-as, enquanto as nuvens se moviam. Sentia-me feliz, sinceramente.
- Kael!
Eu me virei e sorri para ela. Estava mais linda do que nunca, com os cabelos soltos e os pés descalços na areia. Ela também sorria para mim e acenava. Eu não conseguia lhe dizer nada, era como se tivesse perdido a capacidade de falar. Porém, quando a olhei, ela entendeu. Veio até mim e sentou-se ao meu lado.
- Dia lindo.
Também parecia feliz. Queria abraça-la, mas meu corpo não me obedecia.
- Que bom que estamos aqui, juntos - ela disse, timidamente.
Eu a olhei outra vez e ela compreendeu o que eu sentia. Tentei perguntá-la onde estávamos com o olhar, mas dessa vez ela não entendeu. Então de uma hora para outra, sua expressão mudou e ela olhou para o mar.
- Por que você nos deixou? – perguntou, séria.
Eu não a compreendi, mas sua pergunta me afetou de algum modo, como uma lembrança perdida que voltara ao consciente. Senti uma pressão invadindo o meu peito. Então olhei para o mar e os vi. A principio vi Henri, de olhos fechados, pálido, imóvel. Me voltei para ela, que confirmou com a cabeça. Não pode ser, isso não. Uma lágrima escorreu dos meus olhos, mas ela estava lá para limpá-la com seus dedos macios. Olhei novamente para o mar e vi minha mãe, meu pai, Rágoas. A felicidade que eu sentia antes havia desaparecido e dado lugar a uma angústia terrível. Me deitei na areia e fechei os olhos. Minha mente havia se transformado num turbilhão de sentimentos. Abri os olhos em sua direção, mas ela já não estava mais lá. Mesmo assim senti o seu sorriso. O céu estava limpo e o sol brilhava como nunca.

Me levantei e com um sentimento de vingança, ia jogar outra pedra no mar, mas não era outra pedra. Era maior, brilhante, único. Era o Pulso Solar.

sexta-feira, março 30, 2007

KK: Capítulo XII

Capítulo XII

Os dois amigos corriam para o fundo da casa, fugindo de um inimigo desconhecido – ou melhor, de um grupo deles –, mas potencialmente poderoso. Já era tarde e as luzes da rua estavam acesas. A noite estava estrelada e fazia muito calor.

- Henri – dizia Kael, bastante confuso com a situação, enquanto escalava o muro –, o que é a Protenido?
- É a magia Proten concentrada. – disse Henri atrás, com uma expressão de quem havia esquecido algo importante, provavelmente em casa. – Te torna mais rápido, forte e diminui o consumo das outras magias. Meio que torna a pessoa invencível, sacou?
- Que bom pra nós!
Henri e Kael atravessavam a rua em direção à outra quadra, correndo. Nenhum dos dois sequer imaginava o que aquilo significava, mas uma coisa era certa: seus perseguidores estavam bastante preparados. Já haviam atravessado três quadras, quando Henri, ofegante, disse:
- Não vamos conseguir, cara. São muitos. Continue correndo, eu volto e tento descobrir o que está havendo.
- Está louco? Vamos indo e deixe de bobagem. O que tiver que acontecer acontecerá a nós dois.
Henri o observou, preocupado. Os dois corriam, mas a impressão era de que até aquele momento, nem sequer tinham sido seguidos. Até aquele momento. Em seguida, como um borrado acinzentado, vinham pela calçada três figuras encapuzadas, e quando se viraram para tentar correr, havia mais um a poucos metros deles. E logo estavam cercados.

- Não há o que temer. – dizia a figura que se encontrava mais próxima. Era possível ver seu rosto, tratava-se de um homem de feições rígidas, porém jovem. Dirigia-se à Kael. – Tudo será explicado, mas você deve vir conosco.
- E qual o motivo do Protenido? – interveio Henri.
- O Protenido não é para vocês. – disse enquanto fazia um sinal para outro companheiro. – Perdoe-me Henri, mas não podemos deixar que você interfira. Doze e Treze, segurem-no. Kael, venha.
Como uma rajada de vento, dois deles alcançaram Henri e o encostaram no muro, um em cada braço. Kael nem sequer tinha sua espada e o Recol nada poderia ajudá-lo naquele momento.
- Não! Larga ele! – disse enquanto corria na direção de Henri, que o reprovara com o olhar. – Eu não me importo com essa história de ritual, só quero viver em paz!
- Vai ter que se importar a partir de hoje – disse e novamente fez sinal para os outros. – Larguem o outro e vamos.
Mais um borrão e agora era Kael que estava imobilizado. Eles se afastaram rapidamente, enquanto Henri se levantava. Ele tentou em vão alcançá-los.

- KAEL! – gritou Henri com ódio, como nunca Kael havia ouvido. Então sua expressão mudou, um sorriso surgiu em seu rosto. – Hum, não será dessa vez.
Ele fechou os olhos, abriu os braços e a pronunciou:
- Xara!
Então uma onda de partículas esbranquiçadas formou-se em seu peito e foi se expandindo, como uma explosão. A magia Xara se espalhava criando fendas no ar e atingiu o grupo, incluindo Kael, que sentiu seu pulso arder. O homem que o levava perdeu a velocidade e surpreendido, olhou para trás.
- Eles nos encontraram? – perguntou a um companheiro que estava bem atrás, também sem a mesma velocidade de antes.
- Não, foi o Henri.
- O que? E como ele poderia... – parou de repente e se dirigiu a outra figura que estava mais próxima – Já sabe o que fazer.
Kael, seu estúpido! Corra! – Gritava Henri à distância enquanto se aproximava.

Kael, que estava imóvel até aquele momento, recuperou a atenção e golpeou o estômago de Treze com o cotovelo. Conseguindo soltar-se, começou a correr. Alguns metros atrás, o número Dezoito bloqueou o caminho de Henri, levantou os braços e pronunciou:
- Quepta!

domingo, março 11, 2007

KK: Capítulo XI


Capítulo XI

Hoje tive um sonho com você. No meu sonho, tentei consertar meus erros do passado, lhe pedi desculpas e escrevi uma nova história para nós. Mas você não entendeu minhas atitudes, nem o meu amor. Agora, me sinto triste, sozinho e completamente perdido, por que você não está comigo. Mas isso já não importa, porque eu não te quero em meus sonhos, em meu coração, em minha alma, em minha vida. Não mais. Neste momento, eu quero dormir sem você em minha mente, quero uma esperança para ser feliz. Quero voltar, começar denovo.

A cidade de Sehanort não era o que se podia chamar de "moderna", mas para os moradores de lá, isso não era problema algum. Queriam apenas uma vida simples e tranquila. Sehanort ficava no interior de Khalong e era quase toda cercada por florestas densas e amareladas. À noite, era possível ouvir as animadas canções, entoadas pelos camponeses em volta das fogueiras. Em geral, eram religiosos, porém nenhum pouco corajosos. Naquele dia, eles não teriam aceitado o acordo, não fosse a interferência de Han. Eles concordaram em omitir o fato de que um grande acampamento havia sido instalado no interior da floresta ao norte, contanto que o mesmo não alterasse seu pacato rítmo de vida.
Em pouco tempo, o acampamento ganhou muitos ocupantes, que surgiam gradativamente - sem atravessar, é claro, Sehanort. No entanto, houve grande exitação quando seu líder mostrou insegurança e preocupação, embora o motivo daquilo fosse muito além de sua compreenção.

- Han? Você está bem? Os outros estão preocupados com você, não saiu do quarto hoje.
- Sim, amigo. Diga que estou bem.
- Está seguro do que vamos fazer?
- Como sempre.
- Certo. Não demore a sair. Aguardamos suas ordens.

- Alexel!
- Diga.
- Alexel...você é feliz?
- Sou, Han. Porque?
- Me diga, o que você precisa pra ser feliz?
- Tudo o que eu sempre tive, desde que fui acolhido pelo Grupo: pessoas que me amam.
- Você é um bom homem. Acho que deveria estar em meu lugar. Ao contrário de você, eu nunca estou satisfeito.
- Não fosse por você, nem estariamos aqui. Mas o que houve, Han? Ainda se torturando por causa da Vana?
- Meu maior fardo é o arrependimento. Se eu tivesse...
- Adianta pensar no que teria acontecido? Melhor você se concentrar. Temos uma tarefa a cumprir.
- Sim, você está certo...como sempre. Até porque, não será uma tarefa fácil. Já foram buscar Kael?
- Já.
- Diga que eu estou indo. Há coisas mais importantes para pensar. Temos de preparar tudo.
- Está bem.

Han queria estar em outro lugar naquele momento, bem longe dali. Mas iria até o fim com sua função.

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

KK: Capítulo X

Capítulo X

Ainda não sou capaz de descrever a experiência que tive naquele dia, mas aconteceu. Recol - a magia de reparação - ainda está em meu pulso, para impedir que eu duvide. E então, a partir daí, eu era o paciente, o médico e a cura.

Quando dei por mim, estava em frente à minha casa. Alice estava lá, mas não chorava, apenas mantinha uma expressão séria que desapareceu quando me viu. Henri quase me enganou com sua falsa naturalidade: ele sim estava preocupado.

- Oi Alice, porque não foi ao ritual?
- Fiquei sabendo que foi proibido, então vim aqui avisá-lo, mas você já tinha saído.
- Eu avisei pra não ir - interrompeu Henri.
- Me parece preocupado, Henri. Aconteceu alguma coisa?
Ele não conteve uma expressão contrariada, franziu as sombrancelhas e respondeu no impulso:
- Deveria?
- Pelo o que eu sei, não.
- Então qual o motivo da pergunta?
- Esqueça. Eu vou subir, preciso dormir um pouco.
- Mas já, Kael? - perguntou Alice
- É. Não sei porque, estou cansando. Mas depois eu passo na sua casa pra gente conversar, ta?
- Ta bem.

Enquanto subia, me lembrei do que aconteceu em Bloar Khalong e quase disse "Podem continuar o que estavam falando!" mas me contive, então entrei no quarto e mal cai na cama, adormeci.

Dois anos. Era o tempo que eu tinha. Precisava encontrar uma maneira de planejar a execução do ritual, além de ter que treinar a tal magia de reparação, mas como se treina esse tipo de magia? E a Alice? Havia decidido que contaria a ela sobre os meus sentimentos o mais rápido que conseguisse, já que não sabia o que poderia acontecer comigo em dois anos. Se bem que eu não tinha prometido nada; eu não sou obrigado a realizar ritual algum. Quem me garante que as intenções daquele sujeito eram boas? E mesmo que fossem, o que eu tinha com isso?

Eu não estava certo sobre o que faria daquele momento em diante. Então, no final daquela tarde, aconteceu.

Ainda estava em meu quarto, mas a pouco tinha acordado. Fiquei algum tempo sentado na cama, pensando, então me levantei, fui até a janela para ver o céu e me deparei uma cena bizarra: um grupo de pessoas em frente a minha casa, todas trajadas com um tecido cinza claro, as cabeças cobertas pelo mesmo tecido, imóveis. Me perguntei se estaria sonhando ou se havia voltado para Bloar Khalong, mas não estava com o Pulso Solar. Sem saber pra onde ir ou que fazer, desci até a cozinha a procura de Henri.

- Henri! Onde você está?
Ele surgiu pela porta da sala, e como se nada estivesse acontecendo, disse:
- Estou aqui. O que foi?
- Não sentiu nada estranho?
- Hum...não.
- Cara, tem um monte de gente encapuzada em frente de casa, e eles nem se mexem.
- O que? - disse enquanto ia para a janela da frente. Então se afastou rapidamente, com o olhar perdido - Protenido.
- O que disse?
- É uma magia. Kael, temos que sair daqui agora.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

KK: Capítulo IX

Capítulo IX


Kael já não conseguia mais distinguir sonho de realidade. Aquela voz repentina o teria assustado de verdade, não fosse tudo que já havia desabado em sua cabeça. O dono da voz usava uma roupa cinza escura com um capuz, seus olhos estavam vendados por um tecido brilhante, cinza claro. "Só pode ser um sonho", Kael repetia a si mesmo. Então fixou o olhar no sujeito, mas não conseguiu formular nenhuma pergunta de imediato.

- Eu não espero que você entenda tudo logo de cara, mas vou lhe explicar.
- E quem é você?
- Isso não importa neste momento. Apenas me escute: em primeiro lugar, você não está na sua casa...
- Ah, é? Estou onde então? - por um momento pensou que tudo aquilo seria uma brincadeira, de mal gosto.
- Você está em outra face de Khalong, está em Bloar Khalong.
- Tá, e o que é isso?
- Se você não ficar me interrompendo, te explico.
- Pode dizer então - disse Kael, enquanto limpava as lágrimas do rosto com as mãos.
- Você nasceu em Zodish Khalong, que é a face principal, a dimensão que tem o verdadeiro valor. Zodish é a Khalong verdadeira, ou como nós denominamos, é a Khalong de Leão. Você está em Bloar, a Khalong de Escorpião. Você se transportou para esta dimensão usando o Pulso Solar.
- Pra mim, ainda se parece com a minha casa. Está tudo igual.
- Tem certeza?
- Aham.
- Então o que está fazendo trancado neste quarto, dentro da sua própria casa?
- Bem...
- A diferença entre as dimensões não é visível. Algumas distorções você já presenciou, mas não cabe a mim explicá-las. Precisei te trazer até aqui, porque é o único lugar seguro neste momento, para conversarmos.
- Conversarmos sobre o que? A propósito, porque não tira esta venda dos olhos?
- Garoto, vamos nos concentrar no que é importante agora, antes que o outro Kael apareça. Me escute...
- Outro Kael?!
- Sim. Se existem 12 Khalongs, me parece óbvio que existam 12 versões de cada pessoa.
- Cara, é muita loucura pra um dia só.
- Acalme-se, apenas faça o que eu lhe pedir.
- Diga.
- Daqui a dois anos, você vai executar o Ritual de Karbon de qualquer maneira. Terá complicações, mas tem que executar. Eu não posso voltar à Zodish Khalong, mas te ajudarei. Me dê o seu outro pulso.

De um modo estranho, Kael confiava plenamente naquele sujeito, havia algo de familiar em suas mãos. Ele estendeu o braço e o homem se aproximou, tirou um cristal fino do bolso e disse:

- Dói um pouco, mas será rápido - disse enquanto aproximava o cristal do pulso de Kael.
- Vai cortar meu pulso com isso?!
- Não, só vou escrever. Relaxe o braço.

Kael sentiu uma dor intensa enquanto aquele homem apertava a ponta do cristal contra seu pulso e o arrastava: ele realmente escrevia algo. Assim que terminou, limpou alguns resíduos brilhantes com a mão e apertou o pulso de Kael. Quando fez isso, sua expressão mudou e ele abaixou a cabeça. Ao perceber o que tinha feito, se afastou de Kael, como se tivesse acabado de expor sua principal fraqueza.

- Você está bem?
- Sim - disse enquanto se virava de costas -, inscrevi em você a magia Recol. É uma magia de reparação, que consome parte da água do seu corpo, portanto não pode usá-la em excesso, a não ser que tenha muita água por perto. Com algum treinamento, você será capaz de usar a Recolium, uma magia que cria um escudo de auto-reparação. Dois anos é o suficiente para melhorar sua Recol até esse ponto.
- Mas como faço para usá-la?
- A parte mais difícil eu já fiz, agora você só precisa reunir energia em seu pulso e mentalizar "Recol". Ah, e evite usá-la enquanto sentir sede.
- Tudo bem.
- Não se esqueça, será daqui a dois anos. O Ritual deve ser realizado! Desta vez, você não ficará com o Pulso Solar, mas ele o levará devolta à Zodish. Foi muito bom vê-lo, Kael - disse enquanto gradativamente, diminuía sua voz, e então, num gesto rápido, desapareceu em sombras.

Uma luz intensa envolveu Kael e como num piscar de olhos, via a frente de sua casa, tranquila e acolhedora. Precisou de um tempo para recuperar a visão, que já havia se acostumado àquele quarto escuro. O vento arrancava as folhas das árvores e as nuvens anunciavam mudanças. Estava devolta à Zodish Khalong.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

KK: Capítulo VIII

Capítulo VIII


Kael estava perturbado. Não aguentava mais pensar que seus amigos haviam se afastando dele e ainda por cima, agiam pelas suas costas. Encontrava-se tão confuso que não notou o objeto metálico em seu pulso. Por um momento, enquanto vasculhava sua própria casa, tentando encontrar o motivo daquele clima tenso, pensou que algo pudesse ter acontecido à Henri. Mal terminou o raciocínio, quando abriu a porta da cozinha e exclamou, paralizado:

- A-Alice? O que houve? Por que está chorando?

Alice estava sentada numa cadeira, próxima à janela da cozinha, com o rosto inchado e os olhos vermelhos. Kael nunca a vira tão fora de controle. Henri também estava lá e ficou claramente preocupado quando viu Kael.

- Alice, me dê um minuto - levantou-se da cadeira e se aproximou de Kael -, Kael, venha comigo, preciso falar com você.
- Mas Henri, a Alice...o que aconteceu? Me larga!
- Kael, por favor. Vamos até o meu quarto.
- Alice?
Ela abaixou a cabeça e disse calmamente:
- Vá com ele, Kael.

Os dois amigos saíram da cozinha, um deles fechando a porta atrás de si. Kael ainda estava perplexo, tentando entender a lógica de tudo aquilo. Seu amigo o colocou para dentro do quarto e também encostou porta, retirando a chave e colocando-a no bolso.

- Sente-se - disse Henri, enquanto fixava o olhar em Kael, até que ele se sentou.
- Pode me explicar o que está acontecendo?
- Olha só Kael, primeiro, nada disso foi planejado. Me pegou de surpresa também.
- Mas do que você está falando?
- Kael, olhe pra mim. Você sabe que eu nunca faria nada para prejudica-lo, certo?
- Sei.
- Preciso te pedir algo muito importante agora. Sei que você não vai entender, mas precisa confiar. Você confia em mim?
- Confio.
- Então eu peço que você não pergunte nada sobre isso que acabou de ver. Eu sei que é difícil, também ficaria confuso, mas...fique aqui até eu voltar, vai dar tudo certo.
- Você é louco? Como pode pedir isso, sabendo o que eu sinto por ela? Eu só quero que você me explique o que está acontecendo! Só isso!
- Calma. Eu vou te explicar, quando for seguro pra você ouvir. Não me force a mentir pra você, porque a verdade eu sou incapaz de contar.
- Henri...eu não entendo...
- Faça o que eu pedi, por favor.
- Não dá, Henri! Eu preciso saber!
- Então me desculpe, Kael. Eu não queria ter que fazer isso, mas um dia você vai me entender.

Henri se levantou, dirigiu-se até a porta e, enquanto Kael o observava incrédulo, trancou-o no quarto. Aquele gesto foi tão rápido e inesperado que ele não conseguiu reagir. Ficou ainda mais confuso quando seu melhor amigo disse-lhe do outro lado da porta trancada:

- É para o seu bem!

Kael levou as mãos à cabeça e massageou os cabelos, tentando fazer com que aquela dor de cabeça repentina o deixasse em paz. Estava completamente perdido e não se conformava pelo o que seu amigo havia feito com ele. Foi até porta e começou a gritar:

- Rágoas, me tira daqui! Henri! Alice! Por favor!

Estava decepcionado, ansioso e confuso. Sentiu uma agonia incontrolável e começou a chorar. Pensou que seus amigos queriam se afastar dele mas não sabiam como fazer, que ele estava sobrando e não era capaz de tratar assuntos sérios com ele, por isso o deixavam de fora. Então levantou-se novamente e rouco, gritou:

- Que merda, meu! Por que estão fazendo isso comigo?! Era só dizer, que eu me afastava de vocês! Nunca quis atrapalhar a vida de ninguém! Henri, me tira daqui! Que droga!

Depois de algum tempo, Kael deitou-se na cama, com os olhos molhados e os cabelos desarrumados e finalmente o viu em seu pulso. Seguiu-se um silêncio ameaçador, interrompido por uma voz firme e confiante:

- Confesso que estou decepcionado, Kael. Imaginei que você notaria muito antes o Pulso Solar.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

KK: Capítulo VII

Capítulo VII


- Vamos testá-lo hoje? Mesmo com esse impecílio?
- Sim. Também temos nossas cartas na manga.

No dia seguinte, assim que acordei, troquei de roupa e passei pelo corredor em direção à porta. Ia até casa dos meus pais, para então seguirmos ao ritual em homenagem à Karbon. Mas antes que eu pudesse abrir a porta, ouvi uma pergunta apressada, vinda do quarto de Henri, que até então estava dormindo: "Ei, vai mesmo participar daquela palhaçada?"

- Vou. - e fui próximo à porta - Dorme ai, tá muito cedo. Depois trago alguma coisa pra gente comer.
- Beleza.

Então saí e fui caminhando até a casa dos meus pais. No inicio, eu pensei que tinha chegado muito cedo, porque ainda estava tudo trancado. Esperei uns quinze minutos e nada. Aí eu resolvi chamar, chamei três vezes, até que a minha mãe surgiu na janela, e apertando os olhos para me enxergar, disse:

- O que está fazendo aqui, filho?
- Mãe! Se esqueceu do ritual?
- O ritual?! Kael, não leu o jornal de ontem?
- Não. O que houve?
- Espera, vou abrir a porta pra você - então saiu da janela e destrancou a porta - Vem tomar um café que eu te explico.

Enquanto fazia o café, me explicou que o Rei Dante havia proibido a execução do ritual por causa do tempo. O ar estava seco demais e a previsão era de vento forte. Portanto, segundo essa lógica, fogueiras à luz do sol poderiam causar uma tragédia das grandes em Osaforte. Vai ver o rei pensava que seu povo era burro o suficiente para acreditar nisso. Só resta saber o que levaria um rei a impedir uma manifestação religiosa que o povo sempre fez questão de manter.

- Que estranho...
- E ainda colocaram guardas por toda a cidade para impedir que alguém tente. Não é algo que dê para fazer escondido, por causa da fumaça. E como isso foi avisado apenas ontem, a única saída foi cancelar. Filho, coma esse pão recheado, fiz ontem à noite, está uma delícia.
- Ah, tá. Mas o ar não está tão seco assim. É o clima normal daqui de Osaforte. Proibíram o ritual apenas nessa região?
- Sim, só por aqui. Sempre disse a seu pai que esse rei era louco. Onde já se viu, proibir o ritual de Karbon...
- Pois é, nunca fizeram isso antes.

Meu pai acordou em seguida. Fiquei algum tempo ali conversando com eles e então fui embora. As ruas da cidade estavam desertas, essa proibição do ritual mais se assemelhou a um toque de recolher e com certeza causaria má impressão. Para o povo daqui, o ritual de Karbon tem a mesma importância de um casamento, de um batizado ou de uma iniciação. Enquanto voltava, avistei dois guardas imperiais que corriam na direção de uma nuvem de fumaça. Provavelmente, alguém tentara executar o ritual. Consegui ouvir gritos e um som característico e agudo de magia defensiva. Próximo da avenida, vi mais alguns guardas apressados que faziam sinais com as mãos. Porém, antes que alguns deles desaparecessem de vista, a fumaça parou. Com certeza, outros guardas já haviam impedido a tentativa. No entanto, algo muito estranho aconteceu: um arbusto que estava atrás de mim, próximo ao portão de uma casa do bairro, escureceu, murchou e então pegou fogo. Mas era um fogo diferente, mais dourado e linear. Saí correndo dali, antes que algum guarda visse e pensasse que era eu o responsável por mais uma fogueira.

Mesmo depois de correr muito, ainda vi faíscas saindo de uma lixeira e dos fios de energia, suspensos nos postes. Felizmente não encontrei mais nenhum guarda pelo caminho. Quando finalmente chegava em casa, segurando em uma das mãos um saco com os pães recheados que a minha mãe havia mandando para o Henri, notei que o portão de casa estava aberto. Ainda não havia alcançado o portão, quando Rágoas veio correndo fechá-lo e olhou para o lado, então me viu.

- Kael?! - exclamou, surpreso.
- O que está fazendo aqui, Rágoas?
- Fica calmo, Kael. Eu vim com...espera!
- Já estou cheio disso, vocês escondem tudo de mim - disse enquanto entrava em casa, imaginando o que poderia estar acontecendo - Eu mesmo descubro.
- Kael! Espera, por favor!

Abri a porta e não havia nada na sala. Então ouvi alguns ruídos na direção da cozinha e resolvi ir até lá checar. A porta estava encostada e quando a abri, presenciei a cena mais improvável que poderia imaginar.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

KK: Capítulo VI

Capítulo VI

Kael e Alice atravessavam a estreita rua mal iluminada, silenciosos. Ele procurava uma forma de tomar a iniciativa e conversar com ela sobre o cíumes recíproco que sentiram, ela tinha pensamentos distantes dali. Então ele tossiu e disse:

- Alice...
- Sim?
- É...e então, como foi com o Rafael?
- Ah, não foi muito bem.
- Hum...

Uma pausa constrangedora se seguiu.

- Mas porque não foi bem?
- Bem, Kael...ele é legal, mas não é dele que eu gosto.
Kael não conseguiu dizer nada de imediato, por causa da quantidade imensa de perguntas que lhe surgiram à mente, aliada a uma alegria incerta.
- S-Se não é dele que...
- E você com a Marina? - ela o interrompeu - Desculpe, o que disse?
- Não, nada...a Marina é legal, bonita, mas...
- Mas?
- Mas também não é dela que eu gosto. - e olhou fixamente para Alice. Ela, desviando o olhar para uma placa caída na calçada, disse:
- Hmmm...e o Henri com a Adriana? O que foi aquilo?
- Sei lá, o Henri é doido, nunca me disse que estava afim dela. - ele disse coçando a cabeça.
- Acho que isso não vai dar em nada. E o Rágoas, ele estava estranho hoje, sabe se aconteceu alguma coisa?
- Também fiquei desconfiado. Na festa, depois de falar com você eu fui...é...eu vi...eu vi que ele estava estranho...mas não sei porque.
- Deve ser algum problema com a família. Aqueles pais dele são muito difíceis.
- Acho que sim...
- Bom, amanhã você vai com sua família para o ritual, né?
- Sim. E você?
- Vou. E o Henri?
- O Henri acha tudo uma bobagem, vai ficar em casa.
- Ah...tá. Bem, deixa eu seguir meu caminho aqui, depois falamos. Tchau Kael!
- Espera, Alice!
- Que foi?
- Eu vou com você até sua casa.
- Não precisa, meu irmão está na casa de um amigo que fica ali em frente, fizeram uma reunião simples pelo Khadoma. Eu passo lá e vou com ele pra casa.
- Entendi...então tá. - disse ele, abaixou a cabeça inconformado e seguiu.
- Tchau! Até amanhã!
- Tchau.

Enquanto via Alice desaparecendo através das sombras das árvores, Kael pensava no que ia fazer. Seguir adiante com a idéia de arrumar uma namorada? Desistir e confessar a Alice o que sente de uma vez por todas? Mas se ela não gostasse dele do jeito que ele esperava, a amizade também ficaria abalada, ou até acabaria. Ela sempre disse a ele que odeia mentiras, e já faz muito tempo que ele esconde isso dela. Chegando em casa, Kael deitou-se na cama. Sentia uma espécie de enjoo, seu estômago doia. Quase duas horas depois, adormeceu. Mais tarde, ouviu quando Henri chegou. Levantou-se e foi em direção à cozinha, para conversar com o amigo.

- Kael, amigão, nem te conto. Aquela Adriana é demais!
- Ah é?
- É. Faz juz à fama que tem.
- Onde você estava?
- Eu, Ela, o irmão dela - Rafael - e alguns amigos fomos à praia, aquela próxima do porto de Osaforte. Ficamos conversando, a pior parte. Depois fugimos dali e ficamos só nós dois embaixo daquela ponte que vai para o farol.
- É, agora que arrumou esses amigos ricos, me deixou completamente de lado. E olha que eu pedi pra você vir comigo embora.
- Cara, não seja egoísta. Tenho certeza que você não tinha nada de importante pra falar, era só pra eu ir com você. E não adianta reclamar, você sabe muito bem o quanto é importante pra mim.
- Está certo...eu sei, Henri. Você também é muito importante pra mim. Mas e ai, o que aconteceu depois?
- E ai que depois ela ficou insistindo naquela história de namorar sério.
- Você não ia namorar com ela?
- Claro que não! Por isso não queria dizer, mas você veio falando que eu estava cheio de segredos e ainda por cima trouxe aquela garota intrometida que espalhou a história.
- Não sabia, oras. Se você tivesse me contado o que pretendia antes de irmos para a festa, teria te ajudado.
- Eu sei. Mas não foi nada planejado.

- A Marina é legal, sabe. Mas mesmo estando ali com ela, não consigo parar de pensar na Alice.
- Ah, não começa com a choradeira, Kael. Vamos dormir, que é melhor.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

KK: Capítulo V

Capítulo V

Assim que voltamos à festa, fiz com que Alice me "reapresentasse" à Marina e notei novamente seu ciúmes, principalmente quando ela disse "A garota nunca vai querer nada com você...os dois não tem nada a ver. Se liga, Kael!". Mas tudo bem, conversei bastante com a Marina. Ela é muito bonita e aparentemente tem um bom papo. Enquanto estava ali com ela, Alice ficou com Rafael, aquele que tinha organizado a festa. Cheia de simpatia. Deu vontade de ir lá e falar para ela "Pára, Alice! Larga ele e fica comigo!", mas é claro que eu não disse nada, só fiquei olhando e ela também me olhava às vezes.

Henri ficou com a Adriana Klein, de longe a garota mais disputada da festa. Acho que ela é do tipo "cansei de ser amada", porque ficou com Henri mesmo ele não dando a mínima para ela. Ainda assim, os outros garotos ficaram em cima, mas não foi por muito tempo: Henri começou a encarar quem se aproximasse, até o Kenel, um valentão metido a besta. Depois, a Marina pediu para irmos até lá "com o meu amigo", mas eu sei que ela só queria se enturmar com a Adriana. Eu fui, porque não aguentava mais ver a Alice com aquele tonto do Rafael.

- Kael, finalmente! Senta ai! Quem é essa? - disse o Henri na maior descontração.
- Marina, amiga de escola da Alice. E Marina, esse é o Henri, o amigo que mora comigo. Oi Adriana.
Marina cumprimentou Henri e Adriana num tom excessivo de animação. Elogiou a festa, o vestido dela, chegou a ser deprimente.
- Obrigada! - disse Adriana, depois virou para Henri que não fez a menor questão de responder à Marina.
- Hum, e eu pensando que o nível da conversa ia melhorar... - Henri, entendiado.
- O que está querendo dizer?! - perguntou Adriana inconformada.
Ele dirigiu um olhar à ela que poderia ser traduzido como "Anta, não era com você!". Mas disse:
- Brincadeira, gata, fica fria. Kael, onde está Alice?
- Está ali com o Rafael. E o Rágoas?
- Já foi embora.
- Henri, fala pra ele o que a gente combinou. Quero ver se tem coragem! - disse Adriana, com um ar de desafio.
- É lógico que não vou dizer. Isso é entre a gente.
- Henri tá cheio dos segredos...
- Não é isso, Kael. É que...é que nós dois estamos tentando ficar sério.
- Ah...
- Não acredito! Vocês vão namorar?! - Marina, gritando como quem encontra um tesouro.
- Filha, quem te chamou aqui? - Henri, nervoso.
- Ei Henri, ta louco? Eu quem trouxe ela aqui! Você não pode falar assim com...
- Espera, Kael. Eu falei alto demais. Me desculpem! - Marina, com um ar de "estraguei tudo".
- Que isso, não tem problema nenhum. O Henri que é nervosinho mesmo. - Adriana, apreciando a repercussão do grito.
- Nervosinho o caramba! Eu não queria dizer nada e agora já tem gente gritando...

Nisso, a Alice vinha chegando com o Rafael Klein.

- Oi Henri! Adriana, Kael, Marina! O que estão fazendo?
- Até agora nada. E você? O que estava fazendo...com ele? - eu disse, já me arrependendo por ter dito.
- Hã? Estava conversando, dançando...
- E ai, pessoal! - Rafael, chegando logo em seguida.

A partir daí foi uma verdadeira guerra de ciúmes entre eu e a Alice. Eu abraçava a Marina, ela abraçava o Rafael. Eu elogiava a Marina, ela o Rafael. Enquanto isso, Henri esboçava um sorriso no rosto e as vezes ria mesmo. Adriana ria junto, como uma babaca.

- E ai Alice, será que vai dar namoro? - Henri, malicioso.
- Não sei...
- O que você acha, Kael?
- Eu?! Sei lá, Henri - disse, incomodado.
- Olha, se dependesse de mim, eu e Alice já estaríamos namorando há muito tempo - Rafael, já bebado.
Todos ficaram sem graça, mas riram, exceto por mim.

Depois, eu quis ir embora, fazendo questão de me despedir da Marina com um beijo, na frente da Alice.

- E então Henri, vamos?
- Pode ir Kael, já estou com a outra chave aqui. Mais tarde eu vou.
- Vem comigo, cara! Eu preciso falar com você!
- Não vai dar, amigão. Depois falamos.
- Hum...tá bom. Então já vou. Tchau para vocês.
- Espera, Kael! Eu também vou. - Alice, derrepente. Eu olhei para ela, incrédulo.
- Já vai Alice?! - Rafael, sem entender o que tinha feito de errado.
- Vou, estou morrendo de sono. Amanhã a gente conversa.
- Tudo bem, mas não vai me dar um beijo antes de ir?
- Alice, se quer ir, vamos logo.
- Amanhã, Rafael! - Alice, já indo embora comigo. Eu de cara amarrada.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

KK: Capítulo IV

Capítulo IV


O Dia de Khadoma era celebrado anualmente em todo o país, no início do ano. Khadoma foi um guerreiro brilhante e justo, que liderou os exércitos de Khalong contra os bárbaros de Marsong, num momento em que o próprio Rei já desistira. A história diz que ele teve êxito apenas por sua incrível perseverança e inteligência, mas a lenda contada pelo povo dá conta que seu sucesso em batalha se deu por algo muito mais poderoso que isso: Karbon, o Espectro Solar. Acredita-se que Karbon seja o último sobrevivente da Tribo do Fogo, formada por seres que habitavam o Sol, quando este ainda era habitável. Então houve a Grande Explosão, transformando-o no Sol como conhecemos e dizimando a Tribo.

Diz a lenda que Karbon é uma especie de fantasma de fogo e que, por algum motivo uniu-se a Khadoma contra os Marsongueanos. Em batalha, o espectro se fundia ao guerreiro, formando um ser fantástico que ficou conhecido como Karbon Khadoma. O fantasma também era o conselheiro de Khadoma fora das batalhas, mas apenas se manifestava durante o dia, na presença dos raios solares. Karbon também presenteou Khadoma com o Pulso Solar, uma relíquia que o permitia ver "as 12 faces do Sol".

História ou Lenda, o fato é que Khadoma libertou seu país, e até então, seu dia é lembrado. Mas aqueles que seguem a religião mais influente do país, chamada de Solianismo, acreditam na existência da Tribo do Fogo, portanto, no dia seguinte ao Khadoma, prestam homenagem à Karbon através de uma grande fogueira à luz do sol, com oferendas. Um simbologista decifra as marcas deixadas pelo fogo como prenúncios do Ano Novo.

Há algum tempo, sugiram rumores sobre essas mensagens. Diziam que Karbon estava procurando alguém, fala-se em "Os Eleitos". Desde então o espectro só se manifesta sobre isso e não mais sobre o futuro de Khalong.


Khalong Kael no Orkut: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=27254948

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

KK: Capítulo III

Capítulo III


- Sim, eles estão vivos! Karbon terá o seu escolhido, falta pouco.
- Quem mais sabe disso?

Depois de presenciar aquela cena, fiquei sem ação, nem cumprimentei a Alice. Fomos embora juntos, até que ela foi com Rágoas para o outro lado e eu fui com Henri para casa. Naquela noite conversamos e ele me disse que já tinha percebido os meus olhares para a Alice e que hoje teve certeza que eu era apaixonado por ela, mas sempre desconfiou disso. Me deu alguns conselhos, os quais tentei seguir. Pediu para que eu ficasse observando até perceber que ela sente algo por mim - ou não -, e então me abrir. Mas nunca me senti capaz de declarar o que eu sinto por ela, e assim foi. Preferi deixar rolar para ver o que acontecia...

Como o meu comportamento mudou, ela passou a me tratar diferente, de um jeito mais formal. Foi terrível, sofri muito por vários meses. Acabei me afastando mais dela, mas ainda a amava. Então decidi tomar uma decisão, iria arrumar uma namorada. Assim, se ela gostasse de mim, eu notaria o ciumes e na pior das hipóteses, poderia ser legal estar com alguém e talvez conseguiria esquecê-la.

Marina, da mesma turma de Alice, sempre gostou muito de mim, então perguntei à ela sobre a amiga e como poderia fazer para falar com ela. Alice pareceu irritada com aquele assunto, o que me deixou animado e me incentivou a perguntar mais, para ver se ela ficava mesmo enciumada. Falava com ela na casa de outro amigo, Rafael Klein, que estava dando um festa por causa do Dia de Khadoma, tradição em Khalong. Pedi para Alice chamar a Marina, para que pudéssemos nos conhecer melhor, mas nesse momento, notei que Henri e Rágoas haviam desaparecido, então pedi um minuto e fui atrás dos dois.

Henri parecia fechar um acordo com um homem de roupa cinza, o rosto oculto por um capuz, Rágoas estava lá também, como se tivesse intermediado o encontro. Eles saíram pelos fundos, provavelmente enquanto eu estava conversando com a Alice. Logo que eu os vi, Rágoas me notou, então me escondi próximo à parede, mas não pude ouvir nada. Quando virei para ve-los novamente, só estavam os dois e Henri olhava para a minha direção. Como já tinham me visto, fui até eles e disse:

- Qual é, Henri, o que anda fazendo escondido de mim?
Ele desviou o olhar e ia dizer algo, mas Rágoas o interrompeu.
- Desculpe, Kael! Você estava com a Alice, não quis te interroper. Por isso chamei o Henri para me ajudar...
- Ajudar em que?
Henri olhou para Rágoas e então disse:
- Kael, é um problema com a família dele, acho que ele não quer contar. Deixe-o.
- Não é de hoje que vocês todos estão se afastando de mim. Se não me querem por perto, me digam logo! - disse enquanto voltava para a festa, decidido a ir para casa.
- Não seja idiota - disse Henri severamente.
- Espera, Kael! - completou Rágoas.
- Posso ser idiota como você sempre diz, mas sou sincero com meus amigos!
- Venha aqui, Kael!
Franzi as sobrancelhas, exitei, mas acabei voltando.
- O que é?
- O assunto que o Rágoas tinha a resolver com aquele homem não é da sua conta, nem da minha. Só que ele pediu a minha ajuda.
- Tudo bem...desculpe Rágoas, não quis me meter. Mas também não precisa ficar nervoso, Henri!
Henri me lançou um olhar arrependido, enquanto Rágoas parecia se lamentar pelo ocorrido e olhava inseguro para ele, então disse:
- Henri, não seria melhor dizer a ele...
- Não!
- Não precisa Rágoas, é assunto seu. Eu já entendi.
- Melhor voltarmos, Alice deve ter percebido que saímos.

Enquanto voltávamos, encontramos Alice ali perto da parede onde tinha me escondido. Tenho certeza que ela me seguiu e ouviu tudo, mas nunca comentou nada, ao menos comigo.

Khalong Kael no Orkut: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=27254948

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Aparência vs. Confiança

Eu bem que gostaria de ter mais força de vontade para certas coisas...mas as vezes a gente perde o controle e sede à preguiça. É uma merda. E a coisa piora quando a gente vê pessoas mais persistentes.

Ultimamente tenho tido algumas teorias sobre a relação entre pessoas. Cheguei a conclusão que quanto mais fisicamente atraente a pessoa é, mais insegura fica a outra parte, independente se essa outra parte também é atraente, e vice-versa. E as vezes a insegurança tem razão, porque a pessoa atraente tem muito mais oportunidades de trair que alguém "normal", e possívelmente ela trairá, ainda mais se a pessoa tiver certeza que a outra não vai ficar sabendo, ou se não houver algo que a "prenda".

Felizmente também cheguei a conclusão que, embora faça muito sentido e é o que acontece de modo geral, as coisas não são tão simples assim, e tudo tem a ver com os princípios de cada um, seus objetivos, e o sentimento envolvido na relação. Acho que eu nunca conseguiria manter uma relação séria em que não me sentisse completamente satisfeito, a ponto de considerar perdoável uma "traiçãozinha" rápida.

Pensei nisso depois de conversar com alguém que, em teoria, nunca seria fiel a alguém, mas na prática, poderia ser, só faltou gostar de alguém de verdade.

No meu caso, a confiança que eu sinto impede que seja inseguro. O que me tranquiliza, lógico.
Não é todo mundo que conquista minha confiança sincera.

terça-feira, janeiro 30, 2007

KK: Capítulo II

Capítulo II


Kael respirou fundo e passou a mão pelos cabelos castanhos. Não sentia um pingo de sono, e ainda eram três e meia da manhã.
Ele sabia muito bem o que estava incomodando tanto, mas era tão estranho ter esses tipos de pensamentos por sua melhor amiga.

- Droga!

Já que estava acordado, Kael resolveu descer, e ver se tinha algo para comer. Não havia jantado, e agora tinha uma certa fome incomodando.
Levantou-se, sentindo o corpo cansado, e uma dor estranha percorrendo suas costas. Saiu no corredor, e tomou a direção da cozinha, mas parou espantado, ao ouvir passos.

- Alice, é você? - disse. Mas logo depois viu que se tratava de uma loucura e pensou "Merda!"

Por que tinha sempre que pensar nela? Podia ser qualquer um de seus amigos, mas não ela. Isso já estava começando a incomodar.
Cortando esses pensamentos, Kael percebeu que não tivera resposta. Apressou-se, e qual foi a sua surpresa ao dar de cara com seu melhor amigo, Henri, sentado em uma cadeira, as costas arqueadas, o queixo encostado no tampo da mesa, com as mãos fechadas. Kael franziu as sobrancelhas ao ver a expressão estranha do amigo, mas ficou ainda mais surpreso ao analisar o seu estado.

Henri tinha as faces coradas, febris... os olhos brilhavam de modo anormal, e ele estava com os lábios entreabertos, como se sentisse dificuldades para respirar. Impressionado, Kael deu um passo a frente, imaginando que seu melhor amigo estava com algum mal estar.

- Está tudo bem?

Henri piscou de um jeito engraçado, e fixou o olhar em Kael, como se só agora se desse conta de que ele não era uma simples visão.
Preocupado, Kael deu mais um passo, ao mesmo tempo em que Henri ficava com os olhos semi-serrados, levantando a cabeça de sobre a mesa.

- Sim.
- Por que está acordado a essa hora?
Henri se encostou na cadeira e disse calmamente "Só pensando. E você?"
- Eu queria parar de pensar, isso sim. As vezes a gente se impressiona consigo mesmo. Tem uma coisa que está acontecendo comigo que nunca pensei que pudesse acontecer...veja o que acha...é que...
- Precisou ver a Alice beijando outro cara pra perceber que é apaixonado por ela?

Kael precisou de algum tempo para se recuperar do susto. Como ele sabia?

- C-Como sabe, Henri?
- Kael, não seja bobo. Qualquer um notaria, com a cara que você fez.
- O Rágoas também percebeu?
- Com certeza. Ele percebe mais coisas que nós dois juntos. Mas não se preocupe, somos seus amigos.

Kael sorriu conformado e perguntou "Mas o que eu faço agora?"

- Kael, meu amigo, você tem muito o que aprender...