terça-feira, fevereiro 20, 2007

KK: Capítulo IX

Capítulo IX


Kael já não conseguia mais distinguir sonho de realidade. Aquela voz repentina o teria assustado de verdade, não fosse tudo que já havia desabado em sua cabeça. O dono da voz usava uma roupa cinza escura com um capuz, seus olhos estavam vendados por um tecido brilhante, cinza claro. "Só pode ser um sonho", Kael repetia a si mesmo. Então fixou o olhar no sujeito, mas não conseguiu formular nenhuma pergunta de imediato.

- Eu não espero que você entenda tudo logo de cara, mas vou lhe explicar.
- E quem é você?
- Isso não importa neste momento. Apenas me escute: em primeiro lugar, você não está na sua casa...
- Ah, é? Estou onde então? - por um momento pensou que tudo aquilo seria uma brincadeira, de mal gosto.
- Você está em outra face de Khalong, está em Bloar Khalong.
- Tá, e o que é isso?
- Se você não ficar me interrompendo, te explico.
- Pode dizer então - disse Kael, enquanto limpava as lágrimas do rosto com as mãos.
- Você nasceu em Zodish Khalong, que é a face principal, a dimensão que tem o verdadeiro valor. Zodish é a Khalong verdadeira, ou como nós denominamos, é a Khalong de Leão. Você está em Bloar, a Khalong de Escorpião. Você se transportou para esta dimensão usando o Pulso Solar.
- Pra mim, ainda se parece com a minha casa. Está tudo igual.
- Tem certeza?
- Aham.
- Então o que está fazendo trancado neste quarto, dentro da sua própria casa?
- Bem...
- A diferença entre as dimensões não é visível. Algumas distorções você já presenciou, mas não cabe a mim explicá-las. Precisei te trazer até aqui, porque é o único lugar seguro neste momento, para conversarmos.
- Conversarmos sobre o que? A propósito, porque não tira esta venda dos olhos?
- Garoto, vamos nos concentrar no que é importante agora, antes que o outro Kael apareça. Me escute...
- Outro Kael?!
- Sim. Se existem 12 Khalongs, me parece óbvio que existam 12 versões de cada pessoa.
- Cara, é muita loucura pra um dia só.
- Acalme-se, apenas faça o que eu lhe pedir.
- Diga.
- Daqui a dois anos, você vai executar o Ritual de Karbon de qualquer maneira. Terá complicações, mas tem que executar. Eu não posso voltar à Zodish Khalong, mas te ajudarei. Me dê o seu outro pulso.

De um modo estranho, Kael confiava plenamente naquele sujeito, havia algo de familiar em suas mãos. Ele estendeu o braço e o homem se aproximou, tirou um cristal fino do bolso e disse:

- Dói um pouco, mas será rápido - disse enquanto aproximava o cristal do pulso de Kael.
- Vai cortar meu pulso com isso?!
- Não, só vou escrever. Relaxe o braço.

Kael sentiu uma dor intensa enquanto aquele homem apertava a ponta do cristal contra seu pulso e o arrastava: ele realmente escrevia algo. Assim que terminou, limpou alguns resíduos brilhantes com a mão e apertou o pulso de Kael. Quando fez isso, sua expressão mudou e ele abaixou a cabeça. Ao perceber o que tinha feito, se afastou de Kael, como se tivesse acabado de expor sua principal fraqueza.

- Você está bem?
- Sim - disse enquanto se virava de costas -, inscrevi em você a magia Recol. É uma magia de reparação, que consome parte da água do seu corpo, portanto não pode usá-la em excesso, a não ser que tenha muita água por perto. Com algum treinamento, você será capaz de usar a Recolium, uma magia que cria um escudo de auto-reparação. Dois anos é o suficiente para melhorar sua Recol até esse ponto.
- Mas como faço para usá-la?
- A parte mais difícil eu já fiz, agora você só precisa reunir energia em seu pulso e mentalizar "Recol". Ah, e evite usá-la enquanto sentir sede.
- Tudo bem.
- Não se esqueça, será daqui a dois anos. O Ritual deve ser realizado! Desta vez, você não ficará com o Pulso Solar, mas ele o levará devolta à Zodish. Foi muito bom vê-lo, Kael - disse enquanto gradativamente, diminuía sua voz, e então, num gesto rápido, desapareceu em sombras.

Uma luz intensa envolveu Kael e como num piscar de olhos, via a frente de sua casa, tranquila e acolhedora. Precisou de um tempo para recuperar a visão, que já havia se acostumado àquele quarto escuro. O vento arrancava as folhas das árvores e as nuvens anunciavam mudanças. Estava devolta à Zodish Khalong.

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